sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A História da Escrita de Sinais

Escrito em Português do Brasil

Ronice Müller de Quadros

        Ronice Müller de Quadros

                     SignWriting é um sistema de escrita para escrever línguas de sinais. Me lembro quando os lingüistas, professores e os próprios surdos diziam que a língua de sinais era ágrafa. Hoje, esse capítulo da caminhada da comunidade surda já faz parte da história. Assim como a duas décadas começamos a discutir sobre as línguas de sinais, agora começamos a descobrir a riqueza dessas línguas através de uma escrita própria. SignWriting expressa os movimentos, as formas das mãos, as marcas não-manuais e os pontos de articulação. Até então, a única forma de registro das línguas de sinais era o registro em vídeo cassetes, registro que continua sendo uma forma valiosa para a comunidade surda. Acrescenta-se a essa forma, a escrita das línguas de sinais. Um sistema rico e fascinante que mostra a forma das línguas de sinais. Eu gostaria de relatar um capítulo da história do SignWriting no mundo e no Brasil, pois enquanto autores desse capítulo, não podemos omitir esse processo da comunidade surda e da educação dos surdos.

                  SignWriting foi criado pela Valerie Sutton em 1974. Valerie criou um sistema para escrever danças e despertou a curiosidade dos pesquisadores da língua de sinais dinamarquesa que estavam procurando uma forma de escrever os sinais. Portanto, na Dinamarca foi registrada a primeira página de uma longa história: a criação de um sistema de escrita de línguas de sinais. Conforme os registros feitos pela Valerie Sutton na homepage do SignWriting http://www.signwriting.org , em 1974, a Universidade de Copenhagen solicitou à Sutton que registrasse os sinais gravados em vídeo cassete. As primeiras formas foram inspiradas no sistema escrito de danças. A década de 70 caracterizou um período de transição de Dancewriting para SignWriting, isto é, da escrita de danças para a escrita de sinais das línguas de sinais.

                Em 1977, Dr. Judy Shepard-Kegl organizou o primeiro workshop sobre SignWriting para a Sociedade de Lingüística de New England nos Estados Unidos, no MIT. Nesse mesmo ano, o primeiro grupo de surdos adultos a aprender o sistema foi um grupo do Teatro Nacional de Surdos em Connecticut. A primeira estória escrita em SignWriting foi publicada: Goldilocks and the three bears. Em 1978, as primeiras lições em vídeo foram editadas. Em 1979, Valerie Sutton trabalhou com uma equipe do Instituto Técnico Nacional para Surdos em Rochester prestando assistência na elaboração de uma série de livretos chamados The Techinical Signs Manual que usaram ilustrações em SignWriting.

             Na década de 1980, outra página da história começa a ser escrita. Valerie Sutton apresentou um trabalho no Simpósio Nacional em Pesquisa e Ensino da Língua de Sinais entitulado Uma forma de analisar a Língua de Sinais Americana e qualquer outra língua de sinais sem passar pela tradução da língua falada. Depois disso, SignWriting começou a se desenvolver mais e mais. De um sistema escrito à mão livre passou-se a um sistema possível de ser escrito no computador. O primeiro jornal foi escrito à mão nos anos 80, assim como os monges escreviam antes da existência da imprensa. Atualmente, dispomos de uma homepage onde vários artigos são publicados quase que semanalmente.

               Através do computador, o SignWriting começou a se tornar muito mais popular nos Estados Unidos. Hoje em dia, o sistema de escrita de sinais não tem mais a mesma forma que o sistema criado em 1974. O sistema evoluiu muito ao longo dos anos. O uso do sistema determinou as mudanças envolvendo várias pessoas nesse processo.

              A evolução do SignWriting apresenta características da evolução da escrita de certa maneira. Atualmente, estamos discutindo a produção escrita padronizada. "Padronizada" no sentido de escrever o mesmo sinal usando os mesmos "grafemas". Essa questão foi o tópico da última discussão na lista do SignWriting (maio de 1998). A produção escrita dos sinais difere de pessoa para pessoa. Cada um escreve como acha que deve ser escrito. Eu percebi que isso estava acontecendo no primeiro curso de SignWriting ministrado na PUC do RS em Porto Alegre em 1997. Cada aluno produzia o mesmo sinal de forma diferente. Alguns eram mais simples ou mais detalhistas do que outros. Isso faz parte de um processo natural. O inglês quando começou a ser escrito passou por esse mesmo processo. Cada pessoa escrevia o som da forma que achava mais adequado. A escrita passou a ser padronizada ao longo do tempo com a invenção da imprensa. A imprensa foi o meio em que a escrita foi difundida rapidamente. A escrita tornou-se pública e naturalmente foi sendo padronizada.

            Valerie Sutton, em uma das suas mensagens, contou uma estória interessante a respeito da padronização da escrita. Ela adiquiriu o dinamarquês como segunda língua na região de Copenhagen. Certa ocasião, ela foi visitar uma região da Dinamarca que fala um outro dialeto. Estando lá, Valerie teve dificuldade de entender o dialeto e passou a usar a escrita para se comunicar com uma senhora. Apesar de falerem diferentes dialetos do dinamarquês, a escrita era a mesma. Nesse sentido, o "padronizado" torna-se uma vantagem e parece estar associado com a escrita. A ASL tem uma longa caminhada em SignWriting e já dispõe de um dicionário bastante rico produzido pelo DAC em SignWriting. Mesmo assim, o sistema ainda é bastante flexível. No entanto, muitas pessoas estão usando SignWriting nos EUA e a tendência natural é de haver uma padronização. Algumas pessoas começaram a trocar arquivos em SignWriting e num futuro próximo teremos uma sala de discussão na Internet disponível para conversarmos usando o SignWriting. claro que cada língua de sinais vai naturalmente desenvolver uma forma comum de escrever os sinais. Nesta sala, vamos ter a oportunidade de ler ASL, LIBRAS, bem como outras línguas de sinais. Obviamente, as pessoas precisam saber pelo menos uma língua de sinais e saber escrever tal língua usando o SignWriting. Na verdade, é o que acontece nas salas que existem agora, se eu sei escrever italiano eu entro numa sala e converso com pessoas que sabem italiano, mesmo estando no Brasil.

            Atualmente, o SignWriting está se desenvolvendo muito rápido. Como diz Valerie, "é a década da explosão do SignWriting". Todos começam a se interessar, em especial a comunidade surda americana e a escolas de surdos que vem desenvolvendo uma educação bilíngüe. O DAC - Deaf Action Committee For SignWriting - está oferecendo suporte para o desenvolvimento de Projetos de Alfabetização em SignWriting. Tais projetos envolvem escolas americanas, canadenses e, generosamente, Valerie Sutton aceitou dar suporte para o Brasil. Além disso, o SignWriting dispõe de uma lista exclusiva de discussão aberta a quaisquer pessoas interessadas em compartilhar experiências e discutir sobre o assunto, para entrar na lista basta solicitar a conexão através da mensagem: Sub SW-L seu nome completo, por exemplo,

Claro que você precisa dispor de um endereço eletrônico para receber as mensagens.

            Vamos, então ao capítulo do SignWriting no Brasil. No ano de 1996, a PUC do RS em Porto Alegre através do Dr. Antonio Carlos da Rocha Costa descobriu o SignWriting enquanto sistema escrito de sinais usado através do computador. A partir disso, SignWriting começou a tomar forma no Brasil. O Dr. Rocha formou um grupo de trabalho envolvendo especialmente a Prof. Marianne Stumpf e a Prof. Marcia Borba. Marianne é surda, professora na área de computação na Escola Especial Concórdia. Atualmente, ela está trabalhando com o SignWriting em algumas turmas. A Escola Especial Concórdia tem apoiado o desenvolvimento do SignWriting, pois tem considerado ser uma forma de escrever a língua de sinais. Marcia tem se envolvido com a parte de pesquisa relacionada à computação. Tive oportunidade de contatar Leonardo Mahler, um de seus alunos, que está desenvolvendo um softer juntamente com um grupo para acessar o dicionário do SignWriting. Temos certeza que do Departamento de Informática da PUC do RS teremos bons frutos do desenvolvimento desse sistema escrito no Brasil. O Dr. Rocha continua apoiando esse processo com muita dedicação.

          O projeto de alfabetização está se constituindo a partir de contato estabelecido com Valerie Sutton durante minha estada nos Estados Unidos. Enquanto pesquisava a estrutura da língua brasileira de sinais - LIBRAS - e estudava as teorias que serviriam de base para minha tese, mantive contato intenso com Valerie Sutton discutindo sobre as formas de expressar a escrita e possibilidades de ter seu apoio no desenvolvimento do projeto para o Brasil. Valerie sempre foi bastante prestativa e eficiente. Ela gentilmente aceitou dar o suporte que necessitamos. Atualmente, estamos trabalhando na produção de estórias e na composição do dicionário bilíngüe, ou seja, sinal na LIBRAS e palavra em português. Esse é um trabalho interminável, pois quantidade é muito importante, além da qualidade, é claro. Tenho certeza que aos poucos teremos mais e mais escritores para colaborar neste processo e esperamos contar com suporte financeiro no Brasil para obtermos recursos para produção da estórias. Essa etapa é muito importante, pois a escrita se torna viva quando ela realmente existe. Quando os autores dessa escrita começam a produzir textos e a ler outros textos, essa escrita se torna algo significativo e passa a desempenhar um papel no processo de aquisição da escrita.

          No Brasil, temos boas perspectivas de dar continuidade a esse processo, uma vez que algumas escolas começam a se interessar e buscar conhecer tal sistema. A Escola Especial Concórdia de Porto Alegre e a Escola Hellen Keller de Caxias do Sul/RS já começaram a aprender como escrever a LIBRAS. Esse é um passo que tende a ser trilhado por muitas outras escolas. Instituto Nacional de Educação de Surdos no Rio de Janeiro e algumas escolas em São Paulo começam a se interessar por SignWriting. A Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos demosntra curiosidade. Esse é o processo!!

        Tenho mantido contato com a Dr. Eulália Fernandez da UERJ e com a Dr. Regina Maria de Souza da UNICAMP sobre educação de surdos, comunidade surda e alfabetização. Nestes contatos, temos conversado sobre a possibilidade de implementação do projeto de alfabetização com o SignWriting e temos algumas luzes dispontando no caminho.

      O Projeto de Alfabetização é uma porta para a aquisição da escrita da LIBRAS que servirá de suporte para um processo de aquisição do português escrito.

          SignWriting uma forma de ler e escrever sinais.
Mestre e doutoranda em Linguística Aplicada pela Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande so Sul com estágio na University of Connecticut - USA. Pesquisas financiadas parcialmente pela CAPES e University of Connecticut..

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